Uma cilada chamada PL 2694

Forte lobby de políticos e empresários ameaça atividade privativa dos policiais penais em todo o país.

Conforme dito pela pensadora Juliana Tonelli: “Cada um vive a realidade e a mentira que lhe convém”.

Proposto em 2015, o Projeto de Lei 2694 objetiva alterar o Art. 83-A da Lei de Execuções Penais (LEP), e acrescentar o Art. 83-C, para dispor sobre a “execução indireta de atividades desenvolvidas nos estabelecimentos penais”, de acordo com a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a realidade do Sistema Carcerário Brasileiro, sob a presidência do deputado federal Alberto Fraga, e relatoria inicial do ex-deputado federal Sergio Brito.

Alberto Fraga é tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal, velho conhecido da Política, foi suplente de deputado federal em 1997; eleito em 2002; reeleito em 2006; licenciou-se do cargo de deputado no período de 2007 a 2010, quando ocupou o cargo de Secretário de Transportes do Distrito Federal. Candidatou-se para o Senado em 2010, mas acabou perdendo as eleições. Em 2014 foi eleito para novo mandato como Deputado Federal (DF); disputou o governo do Distrito Federal em 2018, obtendo a sexta colocação; e em 2022 foi novamente eleito Deputado Federal (DF).

 

Alberto Fraga, Deputado Federal (DF), atualmente é presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados.

Denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal por crime de concussão, por suposta cobrança de propina na assinatura de contratos de adesão entre o Distrito Federal e a Cooperativa de Transporte Público do Distrito Federal, Alberto Fraga foi absolvido em segunda instância, por falta de provas.

Ex-deputado federal Sergio Brito (BA)

Já o ex-deputado federal Sergio Brito, que foi relator, também, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, também presidida por Alberto Fraga, e que resultou na apresentação de propostas legislativas, entre as quais: “a participação da iniciativa privada na gestão de estabelecimentos penais” no País, ele é natural de Vitória da Conquista na Bahia, Estado que apesar de adotar o modelo de cogestão há décadas, tem um Sistema Penitenciário de altíssimo grau de violação de direitos e que não foi capaz de sanar severas deficiências como a falta de condições estruturais, superlotação, falta de material básico de higiene e limpeza, alto déficit de policiais penais e de profissionais de assistências, na maioria dos estabelecimentos penais do Estado.

Tal situação revela o descumprimento (pelo Estado da Bahia) de normas internacionais e constitucionais no que diz respeito à preservação da dignidade física e mental, tanto de presos quanto de policiais penais. Tais violações de direitos são estopim para a violência, como a rebelião ocorrida em fevereiro de 2022, na penitenciária Lemos Brito, em Salvador (BA), que é uma das 19 (dezenove) Unidades Prisionais que permanecem sob a gestão plena do Estado. Nessas unidades prisionais a situação é precaríssima. Na rebelião, foram mortos 6 (seis) presos e outros 16 (dezesseis) ficaram feridos. Na ocasião, apenas 03 (três) policiais penais trabalhavam no local, mas eles impediram a fuga dos presos, apesar da falta de condições para a operacionalização do trabalho. À época, o presídio somava 1116 (mil, cento e dezesseis) presos, sendo 345 (trezentos e quarenta e cinco) a mais do que a capacidade de custódia do estabelecimento prisional.

Enquanto isso, nas outras 07 (sete) unidades prisionais sob cogestão com as empresas privadas Socializa e Reviver, que não operam com os mesmos problemas estruturais que as demais prisões mantidas pelo estado, e onde monitores de ressocialização assumiram os serviços operacionais privativos da carreira policial penal, seguem maquiadas e com os mesmos problemas de sempre. A exemplo de fugas e práticas de ilícitos dentro das Unidades prisionais incluindo tráfico de entorpecentes, recentemente, noticiadas, como em 19/04/2024, quando no Conjunto Penal de Juazeiro (BA), sob a cogestão da empresa Reviver, um preso usou a muleta para golpear o monitor de segurança, pulou o muro da unidade penal e fugiu.

Nesse mesmo Conjunto Penal de Juazeiro aconteceu, em 23 de maio desse ano, a Operação Premium Mandatum, que investiga integrantes de uma organização criminosa com atuação no interior da Bahia e Região Metropolitana de Salvador, e que resultou no cumprimento de 26 (vinte e seis) mandados de prisão (para “ressocializandos” que já se encontravam presos) e a prisão de 07 (pessoas) entre as quais monitor de ressocialização, funcionário contratado, pela empresa terceirizada para trabalhar junto ao efetivo carcerário.  

Em 06 de maio desse ano, sete presos fugiram de uma das celas do Conjunto Penal de Barreiras, no Oeste Baiano, sob cogestão da empresa Socializa. Eles teriam serrado a grade e a tela de proteção da cela, e em seguida saíram pelo fundo do Complexo Penal, apesar das mais de 100 câmeras com circuito de CFTV instaladas pela empresa cogestora, na inauguração da unidade prisional em 2017.

Na foto: ao fundo, o então Secretário de Administração Penitenciária da Bahia, à época, Nestor Duarte, ladeado pelo Diretor-Presidente da Empresa Socializa Empreendimentos e Serviços de Manutenção Ltda, Eduardo Brim Fialho, durante a inauguração do Conjunto Penal de Barreiras (BA), em 02/06/2017.  

 

Mas, voltando ao Projeto de Lei 2694, inicialmente ele citava como justificativa o fato de que vários Estados têm optado pela participação da iniciativa privada na gestão das unidades prisionais, tanto em regime de cogestão, quanto de Parceria Público-Privada. Mas, após o RELATÓRIO DE INSPEÇÕES realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os meses de abril e maio de 2022, nos estabelecimentos prisionais do ESTADO DO AMAZONAS, o atual relator do PL 2694 mudou o discurso.

O CNJ apontou uma série de irregularidades, violações de direitos e graves deficiências no Sistema Prisional Amazonense. E, também, indícios de transferência de atribuições constitucionais da execução da pena e da segurança prisional para empresas privadas no modelo de Cogestão praticado naquele estado.  Além de destacar a falta de adequação das referidas empresas aos termos permitidos pelos art. 83-A e 83-B da Lei de Execução Penal, que dispõem sobre as atividades que podem ser de execução indireta e aquelas que são indelegáveis e de competência estrita da Administração Penitenciária. Daí o Deputado Capitão Alberto Neto apresentou um substitutivo em 30 de agosto de 2022, ao PL que trata exatamente sobre esse tema. Atualmente, o Projeto de Lei figura no Portal da Câmara Legislativa como “pronto” para pauta no Plenário.

Ao que parece, o Substitutivo demonstra-se uma manobra para buscar atender, ainda que de modo reverso, uma das 73 (setenta e três) recomendações constantes no diagnóstico feito pelo CNJ nos estabelecimentos prisionais do estado do Amazonas. E, assim, possibilitar a extensão em nível nacional da lógica perversa por detrás da cogestão da operacionalidade prisional de atribuição privativa dos policiais penais.

Na apresentação do Substitutivo, Alberto Neto diz reconhecer que o PL 2694/2015, nos termos em que proposto, é manifestamente inconstitucional. E, acrescentou que “é inobjetável que a segurança do Estado, especificamente no tocante à sua atuação junto a estabelecimentos prisionais, é uma atividade que não pode ser prestada a atores e agentes privados, sob pena de subverter o Estatuto Constitucional da Segurança, encartado no seu Título V, Seção III, Capítulo III”.

A modificação pretendida no PL 2694/2015 é na verdade um engodo. Em sendo aprovado pela Câmara dos Deputados, vai legalizar o descalabro que há anos vem sendo praticado em diversos Estados da Federação, inclusive no Amazonas, reduto eleitoral do atual relator do PL: o deputado Capitão Alberto Neto.

Alberto Neto chegou à pachorra de consignar que similar raciocínio se aplica a todas as atividades típicas de Estado, tais como a fiscalização, regulação, justiça e poder de polícia. “O núcleo essencial dessas atividades é indelegável a particulares e agentes privados”, simulou Alberto Neto na busca de um arranjo semântico capaz de induzir à admissão “apenas e tão somente à delegação de atividades de APOIO a aludidos serviços”.

Destaque-se, porém, que em tais atividades de fiscalização, regulação, justiça e poder de Polícia, não se distingue núcleo “essencial” de acessório, tampouco secundário. Imagina-se numa Operação da Polícia Militar ou da Polícia Civil que, na mesma viatura, trabalhem agentes CLT terceirizados contratados em apoio ou assessoramento aos agentes do Estado? Tal situação é inimaginável. Por que então deveria ser delegado o papel de apoio e assessoramento em atividades que são privativas dos Policiais Penais?

No entanto, foi nesse conciliábulo que foram construídas as seguintes alterações: “Art. 83-A Poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares desenvolvidas em estabelecimentos penais, e notadamente: (…) IV – apoio na movimentação interna dos presos. V – apoio nos serviços de monitoramento e rastreamento de presos por dispositivo eletrônico autorizado por lei”.

Ora, antes mesmo da apresentação do Substitutivo, era possível detectar no PL uma contradição, qual seja: a afirmação de que serão indelegáveis todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia ou que sejam exclusivas do Estado. No entanto, o PL insiste em conceder legalidade a empresas terceirizadas, para a realização de atividades com poder de polícia, tais como a movimentação interna de presos, e o monitoramento e rastreamento de presos por dispositivo eletrônico autorizado por lei.

“Apoio é ajuda, cooperação. Quem coopera, participa. Quem participa, executa. Quem executa, faz. Monitoramento é vigilância, controle. Rastreamento de preso autorizado por lei. Quem rastreia o preso é o Estado. Quem autoriza é o Poder Judiciário, que é quem faz o controle da liberdade. E controle da liberdade não pode ser delegado à empresa privada, é atribuição do Estado”, previne João Carvalho, Diretor Jurídico da Federação Nacional dos Servidores Penitenciários e Policiais Penais – Fenasppen.

Tentativa similar ocorreu em 2020, com a apresentação do PL 3408/2020, também com sutilezas textuais, de autoria do deputado federal Capitão Alberto Neto, mas que foi paralisado por vício de iniciativa. Um projeto cujo conteúdo mais parece querer perpetuar um sistema penitenciário arraigado pelo interesse privado, onde o preso é sinônimo de lucro e de interesses que rodeiam esse negócio bilionário, que beneficia particulares, agentes públicos e políticos.

A pergunta que fica é: a quem interessa estender tal legitimidade operacional às empresas privadas para a terceirização das atividades privativas dos Policiais Penais, como escolta, segurança, vigilância, custódia, movimentação e monitoramento de presos? No frigir dos ovos, a Cogestão de empresas privadas na operacionalidade de unidades prisionais atropela o indelegável Poder de Polícia, a função operacional da segurança, monitoramento e inteligência penitenciária que NÃO são atividades acessórias, mas essenciais.

De certo, e reforçado por críticas da Pastoral Carcerária Nacional (CNBB), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e decisões do Ministério Público do Trabalho; do Ministério Público de Contas, em expressa manifestação pela impossibilidade legal e constitucional de se terceirizar a atividade de segurança interna das Unidades Prisionais, posto que se tratam de atividade inerente ao poder de polícia estatal, indelegável, portanto, à iniciativa privada, é que as propostas do PL 2.694/2015, precisam ser derrubadas.

Ou seria o Sistema Penitenciário Brasileiro um plantel para personagens como os deputados Alberto Fraga e capitão Alberto Neto, em arranjos que ambos parecem agir a favor de interesses da iniciativa privada? Estariam na busca de solução ou amenização da crise do Sistema Penitenciário Brasileiro? Ou trabalham e utilizam os seus mandatos com interesses lobistas de empresas ávidas por recursos públicos, visando o lucro com o encarceramento?

O Deputado Federal Capitão Alberto Neto foi reeleito pelo Estado do Amazonas 

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