Legalização da privatização das atividades policiais penais em curso: uma luta para gigantes. Você vai ficar só olhando?

O Sindicato dos Policiais Penais RJ está junto com a Federação Nacional Sindical da Polícia Penal (Fenasppen) na luta contra a terceirização das atividades de atribuição exclusiva dos Policiais Penais.

Além de afrontar a Emenda Constitucional 104, de 04 de dezembro de 2019, a legalização de empresas e dos chamados “parceiros” privados na gestão operacional do Sistema Penitenciário Nacional, como intenta o PL 2694/2015, é uma porta aberta para a estagnação de todas as polícias, além da ampliação da desvalorização dos órgãos da Segurança Pública com a transferência de suas atribuições para as mãos da iniciativa privada.

O desrespeito à Constituição Federal e o sucateamento do Sistema Penitenciário, com a entrega da população carcerária como um nicho de negócio à iniciativa privada, acontece a olhos vistos em vários estados do país, a exemplo do que acontece no estado do Amazonas e da Bahia, onde essas Empresas e Consórcios se perpetuam e se expandem há décadas, apesar das diversas sentenças judiciais contrarias à prática e aos seus efeitos nocivos.

A privatização do Sistema Penitenciário brasileiro não é nenhuma novidade. A recente manobra trazida à tona, neste momento pré-eleitoral, é pretendida em proposta de nova alteração na Lei de Execução Penal sob o lobby de empresários do ramo de atividade econômica de Justiça (sic) e de gestão prisional, aliada a atuação de alguns políticos que trabalham para dar legalidade a essas empresas e parceiros privados.

Em 30 de agosto de 2022, o relator do PL 2694/2015, Deputado Federal Alberto Neto, do Amazonas, apresentou um substitutivo ao Projeto de Lei onde ele reconhece a inconstitucionalidade do texto.

Na foto, o Deputado Federal Alberto Neto e o governador do Estado do Amazonas, Wilson Lima

AFIRMAÇÕES DO DEPUTADO ALBERTO NETO, RELATOR DO PL 2695/2015:

“Analisada a compatibilidade formal (…) da proposição. E ao fazê-la assento, de plano que o PL 2694, de 2015, nos termos em que proposto, é manifestamente inconstitucional”.

 

“(…) a segurança do Estado, especificamente no tocante à sua atuação junto a estabelecimentos prisionais, é uma atividade que não pode ser prestada por atores e agentes privados, sob pena de subverter o Estatuto Constitucional da Segurança (Pública), encartado no seu Título V, Seção III, Capítulo III”. (grifo nosso)

CAPÍTULO III

DA SEGURANÇA PÚBLICA

  Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.           

 

“Com efeito, o Art.144 de nossa Lei Fundamental estabelece que a segurança pública consubstancia dever do Estado, circunstância que interdita, de forma chapada, qualquer proposição legislativa que delegue o núcleo essencial dos serviços correlacionados à segurança no sistema prisional”.

“De fato, o art. 4°, III, da Lei n° 11.079/2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas) assenta, em bases peremptórias, a “indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”.

“O primeiro limite norteador das terceirizações nas atividades administrativas envolve o poder de império estatal, ou seja, aquelas atividades que exijam atos de império e de autoridade, como por exemplo, segurança, fiscalização, regulação e poder de polícia. Essas são atividades estatais que, em sua essência, dependem que as autoridades administrativas estejam investidas com prerrogativas públicas necessárias à satisfação dos interesses públicos tutelados”.

“De fato, a disciplina normativa inerente aos estabelecimentos prisionais se situa no núcleo fundamental do arquétipo constitucional da Segurança Pública, cujas atribuições, diretas e indiretas, são indelegáveis a agentes e atores privados”.

O DRIBLE

Sob o argumento de sanar o vício de inconstitucionalidade e corrigir as ilegalidades do PL 2694/2015, com suposto objetivo de acomodar as prerrogativas das Polícias Penais com as atividades de execução indireta nos estabelecimentos penais, Alberto Neto apresentou um arranjo semântico sob uma narrativa no mínimo equivocada, para não dizer outra coisa. Em seu texto substitutivo, ele argumenta que, em tais serviços (atividades de exclusiva atribuição dos policiais penais), “admite-se apenas e tão somente a delegação de atividades de apoio”. Isso não é verdade!

Editada em 11/07/1984, a Lei de Execução Penal (LEP) teve sua primeira alteração através da Lei 13.190 para acomodar a participação de empresas terceirizadas no Sistema Penitenciário. Inicialmente, a LEP estabelecia em seu Art. 83, apenas que, conforme sua natureza, o estabelecimento penal deve contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva (ao preso).  Em 2015, o Art. 83-A foi inserido para criar e autorizar a tal “execução indireta” de atividades chamadas “acessórias”, viabilizando assim a terceirização material, instrumental ou “complementar” desenvolvidas nos estabelecimentos penais como objeto de contrato, a saber: serviços de conservação, limpeza, informática, copeiragem, portaria, recepção, reprografia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de prédios, instalações e equipamentos internos e externos.

Junto a isso, inseriram também a autorização à execução “indireta” de serviços relacionados ao trabalho do preso, com fornecimento de materiais, equipamentos, máquinas e “profissionais”, sob supervisão e fiscalização do poder público. Tiveram, no entanto, o insight de destacar a indelegabilidade das funções dever do estado, tais como direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia, e notadamente: a classificação de condenados; a aplicação de sanções disciplinares; o controle de rebeliões; o transporte de presos (escolta) para órgãos do Poder Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais.

De lá para cá foram várias Ações Judiciais, determinações do Ministério Público e recomendações de órgãos como o TCE, para que os governos estaduais respeitem e legislação e o poder de polícia da categoria de policiais penais e não cometam mais ilegalidades ao delegar as atividades operacionais, entre outras exclusivas do Estado, à iniciativa privada.

Mas, a solução encontrada pelas empresas privadas e governos tem sido ignorar a ilegalidade cometida, e fazer fortíssimo lobby rumo à nova alteração da LEP, já que a Lei 13.190 não foi capaz de garantir que todas as atividades penitenciárias possam ser desenvolvidas por empresas privadas e seus terceirizados temporários: um negócio bilionário.

E assim, com essa maquinação, que o PL 2694/2015 intenta incluir o termo “apoio” nos Artigos 83-A da LEP, para levar deputados e senadores a erro e autorizar por lei a atuação da iniciativa privada em atividades como a movimentação interna dos presos e o monitoramento e rastreamento de presos por dispositivo eletrônico, a fim de “disciplinar” o que o substitutivo alcunhou, falsamente, como “atividades de apoio”.

A proposta visa, expressamente, regulamentar a participação da iniciativa privada na gestão das unidades prisionais. Especialmente porque o Poder Judiciário tem questionado, em diversas Ações Judiciais pelo país afora, a atuação de empresas privadas de gestão prisional na execução de atividades que são de atribuição exclusiva do Estado através das Polícias Penais. Ao que parece, um arranjo de interesse puramente econômico de tais empresas e parceiros privados na terceirização da atividade policial penal.

E a ousadia vai além. O Projeto de Lei intenta inserir na LEP o Art. 83-C, textualmente, a autorização às empresas e parceiros privados, para legitimar a contratação (temporária) de monitores (de ressocialização), auxiliares e supervisores para a execução “do objeto do contrato”, qual seja, a gestão do sistema prisional, através de atividades operacionais e de autoridades administrativas, com jornada de 12 horas de trabalho, por 36 horas de descanso.

 

Antes de completar um ano das mortes, o contrato com a Umanizzare foi renovado e passou por manutenções, mantendo a empresa privada na gestão das principais unidades prisionais do Amazonas. Após a matança, o Ministério Público de Contas do Amazonas havia pedido ao Tribunal de Contas (TCE) a rescisão dos contratos e com outra empresa que administra os presídios do estado. O MP havia encontrado indícios de superfaturamento, mau uso do dinheiro público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão da empresa.
O governo do estado chegou a anunciar a intenção de assumir a administração dos presídios, mas disse que não tinha funcionários suficientes. De acordo com um relatório do Ministério Público no fim de 2017, o estado gastou, naquele ano, 80% do orçamento da Seap com a Umanizzare. Em 2016, um ano antes do massacre, foram R$ 304 milhões pagos à empresa.

Atualmente, o Consórcio CGPAM é a empresa que atua na gestão privada de presídios do Amazonas. A outra empresa que atua no Amazonas é a RH Multi Serviços Administrativos Ltda, cujos donos são os mesmos sócios da Umanizzare Gestão Prisional e Serviços S.A. Segundo informações publicadas à época, o contrato com a RH Multi Serviços é de 683,4 milhões e do Consórcio CGPAM é de 803,9 milhões, no Amazonas. Em julho de 2020, a RH Multi Serviços Administrativos Ltda celebrou contrato com o governo do Estado do Amazonas pelo prazo de 60 meses, a contar de 01/08/2020, para os serviços de operacionalização e administração do Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT) e da Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), com captação para contratação de mão-de-obra temporária por intermédio do Sistema Nacional de Emprego – SINE-AM.

 

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