A SEAP E A SAÚDE MENTAL DOS POLICIAIS PENAIS

SENSAÇÃO DE INUTILIDADE, INVISIBILIDADE E DESRESPEITO

Na apresentação de “Boas Práticas” da Seap, durante o evento na Cidade da Polícia, foi descortinada a “Assessoria Técnica de Cuidados Especiais e Qualidade de Vida do Servidor (ASSCEQS)”, da Superintendência de Recursos Humanos, subordinada ao Subsecretário de Administração da Seap RJ, Alexander Maia. A Assessoria foi instituída no Decreto Nº. 48.279, de 19 de dezembro de 2022, teoricamente, “visando o cuidado e a qualidade de vida do servidor da Polícia Penal, à luz da promoção da saúde; fomento de políticas públicas destinadas a prevenir e assistir os agravos em saúde, relacionados ao trabalho ou não; elaboração de pareceres técnicos sobre projetos de lei em tramitação junto às Casas Legislativas, e que versem sobre a promoção da saúde do servidor; e outras atribuições que forem conferidas pelo Secretário da pasta”.

A responsável pela ASSCEQS, da Seap, disse que o setor não é uma Assistência, e, também, não é uma Terapêutica. Em sua fala, apresentou seu currículo e discorreu sobre seu sentimento em relação ao trabalho no “miolo” da cadeia: “Em Unidade Prisional feminina, eu me senti sem sentido de vida. Abrir e fechar cadeado é muito pesado. Eu já não aguentava mais e pensei: tenho que fazer alguma coisa para sair daqui, e fiz o concurso interno para o Grupamento de Serviço de Operações Especiais”. Durante a pandemia foi mais do mesmo, segundo ela, “uma vida sem sentido”. Voltou a estudar e foi convidada pela Secretária para ser a Coordenadora do Projeto.

Sobre as boas práticas da Seap foi apresentado vídeo do evento “Agosto Lilás”, realizado com as servidoras da Polícia Penal. Na oportunidade, foram disponibilizados atendimentos de manicure, cabelereira e maquiadora (a exemplo de eventos feitos com as custodiadas). “As colegas, as profissionais, as servidoras, a cada ano, têm essa oportunidade de se sentir olhada, visível, com essas pequenas ações de cuidado da beleza, palestras sobre temas femininos”, disse a responsável pela ASSCEQS.

Foi apresentado, também, um painel de produção de dados sobre a mortalidade dos policiais penais, cujos números alarmantes registraram, num período de cinco anos, a ocorrência de 08 (oito) suicídios de policiais penais ativos, e mais um em 2024. Nenhuma família foi amparada ou indenizada pelos óbitos em serviço, desde 2019 ao menos. E, além de muita desinformação do setor “Sem Direitos e Sem Vantagens” do RH/SEAP, como é conhecido no meio policial penal, nenhuma ação foi efetivada pela ASSCEQS no sentido de garantir os direitos dessas famílias de policiais penais. Isso assevera a desvalorização por parte da instituição, em relação a seus profissionais.

Continuando a apresentação de boas práticas, foi apresentado vídeo sobre Ação de Justiça Itinerante, a exemplo, também, de Ação realizada com o efetivo carcerário. E, mais um vídeo, sobre o Projeto Piloto ainda em desenvolvimento: “Mãos que Cuidam de Quem Protege”, que é resultado do esforço de uma policial penal, que faz massoterapia intuitiva, e voluntários que fazem os atendimentos em seus horários de folga.

SEAP: uma estrutura que não se comunica

Em sua estrutura organizacional, a Seap possui três setores voltados “à saúde” do servidor: uma Divisão de Saúde, Bem-Estar e Qualidade de Vida, subordinada ao Centro de Instrução Especializada (CIESP), da Academia de Polícia Penal, com serviço de atividade física diário feito por profissionais de Educação Física, no Complexo Penitenciário de Gericinó, e o Núcleo de Lutas com a prática de esportes como judô, jiu-jítsu, caratê e defesa pessoal. Pouco divulgado pela Seap, esse trabalho efetivo não foi apontado como boa-prática da instituição. Em gestão passada havia uma academia de atividades físicas, mas foi desmontada. A única psicóloga que havia na Academia, que inclusive era credenciada para expedição de certidões pela Polícia Federal, foi cedida para outro órgão.

Além da Assessoria Técnica de Cuidados Especiais e Qualidade de Vida do Servidor, dentro da Superintendência de Recursos Humanos/Seap existe, também, a Coordenação de Assistência à Saúde da Polícia Penal. Subutilizada por falta de estrutura e corpo técnico, conta com um ambulatório no Complexo Penitenciário de Gericinó e outro na Central do Brasil, concorrido pelos policiais penais. Com atendimento de clínico geral, psicologia, fisioterapia, psiquiatria, dentista, terapeuta ocupacional, o serviço carece de corpo técnico em outras especialidades médicas.

 

O QUE SE BUSCA? RESULTADOS?

Mas, como falar em promoção de qualidade de vida se a própria Seap não efetiva uma conexão entre a Superintendência de Recursos Humanos da Subsecretaria de Administração da Seap e a Academia de Polícia Penal, por exemplo, que são os setores responsáveis pela coordenação, elaboração, execução, monitoramento e avaliação de desenvolvimento dos policiais penais? Como falar em promoção de qualidade de vida se não há integração e os setores não se comunicam? Como falar em promoção de qualidade de vida se os setores não são sintonizados no serviço técnico multidisciplinar voltado ao servidor, na prestação de serviços de educadores físicos, assistência social, psicólogos e psiquiatras? Ao contrário, foram seccionados com uma assessoria cujos “Cuidados Especiais e Qualidade de Vida dos trabalhadores da Seap” não possui, minimamente, um protocolo de ação institucional com reflexo na prevenção.

A solidão e o desamparo são também questões institucionais comuns no momento em que o servidor passa para a aposentadoria e “desaparece” na pele de veterano. Ou quando os servidores têm que se virar junto à perícia médica do Estado em processos de tratamento médico ou readaptação. Os policiais penais não contam sequer com um Plano de Saúde institucional e o processo de renovação do Seguro de Vida se arrasta em círculos.

 

FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES

Resultado da excelente iniciativa do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro, a primeira edição do “Curso de Formação de Multiplicadores em Prevenção do Suicídio”, do IPPES, na Seap, aconteceu em julho de 2023. Passado um ano, o projeto engatinha impulsionado pelo voluntariado de policiais penais que também apresentaram seus traumas e dificuldades pessoais, mas permanecem sem o amparo institucional. Para ter efetividade, um projeto dessa envergadura precisa de autonomia e corpo institucional, precisa estar na linha de frente da Subsecretaria de Administração que é quem comanda a Superintendência de Recursos Humanos da Seap e, consequentemente, tem papel fundamental na promoção de políticas voltadas ao plano de desenvolvimento de gestão de pessoas e que consolide as necessidades e respectivas ações para atende-las.

A prevenção é algo que se dá antes do problema instaurado. Quando um policial penal chega a se revelar um potencial suicida ou descontrolado emocionalmente é porque o trabalho de prevenção que a Instituição se propôs a fazer, inexiste.

O auxílio às famílias fica por conta de voluntariado de amigos e colegas de trabalho, uma vez que a Seap não disponibiliza sequer informações claras e objetivas sobre quais os procedimentos e burocracias a serem atendidas em casos de sinistros ou ocorrências hospitalares, tais como: os documentos necessários, laudo médico com CID, atenção e apoio à família, presença institucional. É a velha história do jeitinho que o “guarda” faz para se sentir útil de alguma forma, mas totalmente isolados de uma verdadeira ação institucional.

Qual a qualidade de vida se pode atestar no âmbito do trabalho se os servidores sequer contam com a instalação de telefones fixos nas Unidades Prisionais e administrativas no Complexo Penitenciário de Gericinó? Sem efetivo de policiais penais nas turmas de plantão, três servidores dão conta de quase dois mil presos. Sem qualidade do refeitório e da alimentação servida aos policiais penais. Sem um mínimo conforto dos dormitórios e guaritas.

Boas Práticas devem incluir ações com vista à instituição do Plano de Cargos, Carreira e Salários; Integração do setor de Recursos Humanos à Administração onde os setores se comuniquem. Além do diagnóstico das necessidades estruturais e de desenvolvimento alinhado ao papel da instituição, deve-se estabelecer objetivos e metas institucionais relativas aos seus servidores. Mapear, agrupar, centralizar e disponibilizar acesso a informações afetas aos direitos dos servidores. Enfim, acompanhar e estimular o desenvolvimento do servidor durante sua vida funcional.

“É preciso abandonar a visão de que os servidores são meros apêndices do processo do trabalho, aderir a uma abordagem mais humanista onde as relações entre as pessoas sejam impactadas pelos vínculos interpessoais de cooperação, valorização no ambiente de trabalho, motivação e agregação de valorização do servidor público. As condições psicossociais da atuação profissional na prisão e seus reflexos na saúde física e mental dos servidores deve ser um ponto central na gestão de pessoas, no Sistema Penitenciário. Todo trabalho deve estar diretamente relacionado ao valor que é agregado para o ser humano. Na busca por resultados é basilar que na construção da identidade funcional haja a identificação de sua utilidade“.

Quem sabe um dia poderemos apresentar resultados de união de esforços, de convencimento de quem tem a caneta, e, de fato, mudar para melhor a saúde mental e física dos nossos tão sofridos policiais penais.

 

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Elisete Henriques

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