MP conclui como irregular e indevida a terceirização das atividades de segurança interna de presídios (Parte 1)

Foto: Divulgação/Internet

Entre as irregularidades apontadas no Relatório de Auditoria do MP, que levaram a sanções, estão o pagamento de despesas sem cobertura contratual e a contratação de terceirizados para desenvolver atividades exclusivas de servidor público.

Nesse 28 de maio completam 05 (cinco) anos que o MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO ESTADO DA BAHIA, emitiu relatório de Auditoria sob PARECER N°. 000307/2019 onde destacou o ajuizamento de uma Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho, cujo pedido de tutela antecipada foi parcialmente deferido para que o Estado da Bahia se abstivesse, imediatamente, de admitir novos trabalhadores, sob a nomenclatura de “Agente de Disciplina” ou qualquer outra, para prestar serviço próprio dos “Agentes Penitenciários” nos presídios estaduais (Processo nº 0000331-45.2016.5.05.0005 em trâmite na 5ª Vara do Trabalho da Comarca de Salvador).

A terceirização das atividades de segurança interna de presídios foi noticiada através da Denúncia (TCE/004746/2016) e, posteriormente, objeto da prestação de contas da SEAP, exercício de 2016 (TCE/001326/2017), bem como da Inspeção (TCE/009368/2016). Em todos esses processos, a Unidade Técnica deixou expressa a impossibilidade legal e constitucional de se terceirizar a atividade de segurança interna das Unidades Prisionais, por se tratar de atividade inerente ao poder de polícia estatal, indelegável à iniciativa privada.

Embora ciente da irregularidade através dos Relatórios Auditoriais dos processos mencionados acima, na prestação de contas da SEAP do exercício de 2017 (TCE/0009651/2018), a 3ª CCE observou que a Secretaria não somente continuou a perpetrá-la, como criou um novo cargo, denominado “Monitor de Ressocialização” supostamente em substituição ao “Agente de Disciplina”. Contudo, na prática, observa-se que o mencionado cargo contém as mesmas atribuições previstas para o Agente Penitenciário.

Tal situação vem sendo alvo de severas críticas pelo Ministério Público do Trabalho, pela Unidade Técnica do TCE da Bahia e pelo Ministério Público de Contas da Bahia, em virtude da “impossibilidade legal do desempenho de tais atividades por trabalhadores que não possuem vínculo permanente com a Administração Pública”.

“A Administração Pública não poderia terceirizar serviços que lhes são peculiares, como os de justiça, segurança pública, fiscalização, diplomacia etc.”

A referida Auditoria se refere ao acompanhamento da execução orçamentária e financeira da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), referente ao período de 01/01 a 31/07/2018. Concluídos os trabalhos do acompanhamento da execução do Contrato de Cogestão nº 07/2017, celebrado com a empresa Socializa Empreendimentos e Serviços de Manutenção Ltda, cujo objeto é a operacionalização do Conjunto Penal Masculino de Salvador (…) restou constatado que as empresas Socializa Empreendimentos e Serviços de Manutenção Ltda. e Reviver Administração Prisional Ltda recrutam profissionais, antes denominados de “Agente de Disciplina”, agora como “monitores de ressocialização”, para desempenharem a função inerente ao cargo de “Agente Penitenciário” (atuais Policiais Penais), servidores públicos responsáveis por realizar a segurança interna dos presos e dos presídios, nos termos da Lei Estadual n. 7.209/97.

No bojo da referida Auditoria, a 3ª CCE apontou que o Contrato de Cogestão nº 07/2017 previu, de forma expressa, a terceirização dos serviços de segurança e, ao realizar visita ao Conjunto Penal Masculino de Salvador, confirmou que os “Monitores de Ressocialização” também exerciam serviços de segurança, inspeção e escolta interna, atribuições típicas do cargo de “Agente Penitenciário”, cujo provimento deve ocorrer por concurso público, conforme previsto na Lei Estadual nº 7.209/1997.

De acordo com o plexo de competências elencadas em manifestação de Nestor Duarte Neto, então Secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização da Bahia, constata-se que, ao reverso do alegado, a maioria das atribuições dos Agentes Penitenciários coincide com o rol das atividades do Monitor de Ressocialização. Não é necessário grande esforço hermenêutico para se concluir que, a despeito da alteração da nomenclatura, as atividades exercidas pelos agentes terceirizados, agora denominado de “Monitor de Ressocialização”, são típicas do cargo de Agente Penitenciário.

A alteração da nomenclatura do cargo estabelecido nos novos contratos representou, em verdade, uma manobra fraudulenta para tentar desconfigurar a natureza da real atividade que o Estado terceiriza à iniciativa privada. Sob a falaciosa justificativa de não se fazer confundir as atribuições de cada cargo, foi alterado o nomen iuris, entretanto, as funções a serem desempenhadas permaneceram a mesma, a saber: promover a segurança interna das Unidades Prisionais. É que, na hipótese vertente, o nomen iuris conferido ao novo cargo não tem o condão de modificar a sua natureza jurídica.

Nesse sentido, afigurou-se como gravíssima a conduta do dirigente da Pasta, Sr. Nestor Duarte Guimarães Neto, na medida em que, embora devidamente ciente da irregularidade da conduta desde 2016, quando em QUATRO oportunidades distintas – na Denúncia (TCE/004746/2016), na prestação de contas da SEAP do exercício de 2016 (TCE/001326/2017), na Inspeção (TCE/009368/2016), bem como na prestação de contas da SEAP do exercício de 2017 (TCE/0009651/2018), – a Unidade Técnica apontou a impossibilidade da terceirização das atividades de segurança nas Unidades Prisionais, e ele continuou não somente a perpetrar a sobredita irregularidade, como mudou a nomenclatura do cargo para levar os órgãos de controle a crer que a atividade de segurança das Unidades prisionais não seria mais prestada por agentes terceirizados.

Portanto, tal conduta, de incidir na irregularidade em flagrante violação à legislação de regência e as regras constitucionais acerca do tema, a despeito do seu apontamento em processos pretéritos em trâmite no TCE da Bahia, ensejou a aplicação de multa, conforme previsto no art. 35, inciso II, da Lei Complementar Estadual nº 005/91.

Conforme amplamente anunciado nos processos em que se discute a matéria (TCE/004746/2016, TCE/001326/2017, TCE/009368/2016 e TCE/009651/2018), as atividades de segurança dos presos e das Unidades Prisionais enquadram-se na definição de poder de polícia, previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional, a saber:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Ademais, a Lei de Execução Penal preconiza ser indelegável as funções inerentes ao poder de polícia estatal, notadamente as que envolvam classificação de condenados, aplicação de sanções disciplinares, controle de rebeliões e o transporte para órgãos do Poder Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais, senão vejamos:

Art. 83-B. São indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia, e notadamente: I- classificação de condenados; II- aplicação de sanções disciplinares; III- controle de rebeliões; IV- transporte de presos para órgãos do Poder Judiciário, hospitais e outros locais externos aos estabelecimentos penais.

Da mesma forma, o Decreto Estadual nº 12.366/2010, que regulamenta a contratação de serviços terceirizados da Administração Pública do Estado da Bahia, também veda a terceirização de atividades inerentes ao poder de polícia, bem como de atividades inerentes à categoria funcional abrangida pelo plano de cargos do órgão ou entidade, como é o caso da categoria de agente penitenciário, cujas atribuições estão previstas na Lei Estadual n. 7.209/97.

Integra do artigo Art. 3º: Não será admitido o trespasse à execução indireta das atividades próprias, típicas e fundamentais do Estado, sobretudo àquelas inerentes ao poder de polícia, tampouco as que decorram do exercício de atribuições legalmente estabelecidas para os cargos e empregos dos órgãos ou entidades interessadas na contratação, exceto, nesta última hipótese, quando se tratar de cargo cuja desnecessidade tenha sido declarada por Lei.

Diante do arcabouço normativo, não há dúvidas a respeito da impossibilidade de delegação das atividades de segurança das Unidades Prisionais a agentes terceirizados – função típica do cargo de Agente Penitenciário – sendo admitida, somente, a transferência de atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares desenvolvidas em estabelecimentos prisionais.

Contudo, através da análise do Contrato de Cogestão nº 07/2017, observa-se que a função desempenhada pelo “Monitor de Ressocialização” não se trata de atividade meramente material, instrumental e acessória, como seria legalmente aceita, mas que exerciam serviços de segurança, inspeção e escolta interna, atribuições típicas do cargo de “Agente Penitenciário”, elencada no Anexo I da Lei Estadual nº 7.209/97.

(CONTINUA…)

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